18 de dezembro de 2011

Me deixo levar
pela música das letras
até o lado de lá
com beijo da maré
nos meus pés descalços
porque livre é o caminho das nuvens.

 é meu jeito de ficar mais perto
quando dá saudade.

15 de dezembro de 2011

sobre a tristeza e os seus [d]efeitos

deixa infértil
vai secando
murchando

o chão
a alma
o coração

ela aumenta
tudo que é bom diminui
na mesma desproporção















3 de dezembro de 2011

"Haverá um dia em que você não haverá de ser feliz".

Mas haverá o dia que você sempre quis...
Como haverá der ser?
Quem será você?
ou
O que você quer ter...

Encara a vida de frente,
pra dizer que "felicidade é só questão de ser".

21 de novembro de 2011

um poema-notícia
ou a anunciação em verso
de que não falta mais tanto assim
para o inverso
ou  para o começo
...
e no fim,

quando as letras não estiverem mais ao meu lado.
''assim calado, eu sei que vou ser coroado rei de mim"

10 de novembro de 2011

A poética da morte de um poema sem sorte


Às vezes, vem o verso
de repente...

Parece que nunca mais
vai embora...

A estrofe que desfaz
a minha alma...

Se joga do abismo
e encontra a paz...

9 de novembro de 2011

Versinho triste?

Passarinho desejou não ter os olhos!
Foi no mesmo dia em que deixou de ter seu canto.

- bem-te-vi... bem-te-vi!

18 de outubro de 2011

quero

por um tempo
desejar boa noite
à luz do sol
do meio de um dia

e acordar no sétimo...
com a luz da lua cheia
me dizendo:
 bom dia!

16 de outubro de 2011

que o meu destino se faça
 com sangue
suor e
vertigem.

do sangue por estar vivo.
pelo suor do constante movimento.
na vertigem de nem sempre estar no controle.

12 de outubro de 2011

quando é assim, num de repente
um fim...

e eu estava lá: ofício de testemunha?
só um colecionador  de porções de mundo.

distribuídas ao longo das páginas
uma versão,   faz-se o mundo inteiro.

e todo o resto?
saber que esse tipo coisa acontece
ajuda a evitar que se repita?

o "algo" não me convém
a vontade de ter sabido
e dito: com quem

O fato:
era bem mais do que linhas que serão impressas.

nem jornalista e nem poeta
ser humano, por hora
por agora:
"não moro mais em mim"




11 de outubro de 2011

tem lhe faltado
poesia

pela verdade,
nunca foi poeta.

a falta vem
da incapacidade
de ser
o poema de outrora.

era.



25 de agosto de 2011

Náufrago


Amar-te a céu aberto.
Eu encoberto
Pelo incerto
De te achar
Em meio às ondas
Que fazes nascer em mim.

24 de agosto de 2011

Os motivos pelos quais escrevo

Pra Ser
Quando não puder mais.

Ficar do tamanho do mundo.
Caber em mim.

Pra ter
Um lugar onde ir.
Vontade, quando ficar.

10 de agosto de 2011

Encontrou a chave.

Deixou sua prisão feita de impossibilidades
porque desaprendeu a ver as horas.

Agora o impossível é só questão de ocasião.
E quando perguntam: vai dar tempo?

Ele diz sem medos: não.



8 de agosto de 2011


Da última vez disfarcei
Quis que fosse meu sacrilégio
Uma ousadia

Aquilo que mais desejei.
Inalcançável privilégio
Ser eu poesia.

5 de agosto de 2011

Pois é, não deu...
Mas ainda bem que o in verso existe.

Sou eu.

1 de agosto de 2011

Calendário

          Tem tempo que 
           **

Noite alta é meu dia...
                    (Adriana Calcanhotto)
É, vai ver é só saudar o sol
[...]
Desaparecer no vento
E acordar num outro instante
                                             (Marcelo Camelo) 
 


16 de julho de 2011

O chão e o não

Desenhei um circulo em volta de mim
Porque todo limite sugere um ideal de libertação.
Já não importa mais...
Liberdade é estar com os dois pés em qualquer lugar
Fora do chão.

                                     
                                 ***
Como um brotinho de feijão foi que um dia eu nasci,
Despertei cai no chão e com as flores cresci.
E decidi que a vida logo me daria tudo
Se eu não deixasse que o medo me apagasse no escuro.

Quando mamãe olhou pra mim, ela foi e pensou
Que um nome de passarinho me encheria de amor
Mas passarinho se não bate a asa logo pia
Eu que tinha um nome diferente já quis ser Maria
Ah, e como é bom voar

(Tiê - Passarinho)

14 de julho de 2011

Que assim seja

Risquei uma linha em mim
e fui juntando letra,
fui me escrevendo com elas...

Já quis deixar a caneta
Já quis ser só letra
E por vezes, não soube qual delas usar

É a minha velha miopia...
Só me resta fechar os olhos e rezar:

À toda poesia que há no mundo,
peço que me impeça
de me perder. 

Quando eu não for capaz,
peço que não me mostre.
Peço que  me faça ver.

Amém!

30 de junho de 2011

A língua dos amantes
é o corpo em movimento.

Meias-palavras
ditas sem sapatos
e sem roupa.

É o quase-silêncio
da respiração ofegante.

28 de junho de 2011

Caixeiro-viajante

porque todo mundo precisa de aconchego.

quando o inverno começar,
aquece meu cansaço.
com um sorriso e um abraço.

trago a mala cheia de saudades
e uma estação inteira pra te contar.

26 de junho de 2011

Roleta

Se joga, vai lá fora
Ou
Se joga, arrisca
Se joga põe as cartas na mesa
Se joga agora sem certeza
porque a próxima rodada pode ser tarde demais
Certeza não vale nada depois que acabam as fichas.

20 de junho de 2011

"esse sorriso porque já chorei demais"

Há tantos caminhos por aí, escolhe só um.
São muitos os passos pra dar?
Depois do primeiro, a distância será cada vez menor.
Tenha cuidado, pra não cair...
E se cair, levante-se.
E não se esqueça do que você aprendeu com a poetisa do coração pulsante:
Vá, que é bonito ir.

17 de junho de 2011

Povo sem memória sofre sempre.
E tanto agora....
Porque desconhece o que passou.
Muito menos sabe do que virá...
Segue a vida tempo afora.
Dos ponteiros, na linha reta
Ninguém sabe que será.

Sigo as curvas das letras....
Porque ouvi o poeta cantar


O Amanhã - Monobloco

Um velho que lia histórias tristes*

Conheço um velho.
Um velho amigo.
Só o conheço há dois anos.
Mas ele já é um velho amigo.
Um velho com aparência de moço.
É verdade.
Mas, nossa amizade é velha.
Nossas conversas, quase caducas.
Por que velhos são os sonhos que nos mantêm aqui.
Por que velhos são os problemas que nos uniram.
Por que velha é a nossa esperança.
***
A verdade é filha do tempo
Não da autoridade
(Uma frase do Francis Bacon que li em algum lugar)
***
Ele tinha insônias periódicas.
E lia as minhas histórias tristes.
E chorava comigo.
Às vezes mais do que eu.
Era um velho paciente.
Mas não esperava nada parado.
Aguentava as minhas reclamações sem fim.
E reclamava junto.
Um velho que não conseguia advinhar nenhuma das novidades que eu queria contar.
Mas mesmo assim sabia o que eu pensava.
Um velho que merece tudo o que há de bom no mundo.
Por que o seu coração é um das melhores coisas que há.
***
E que fique muito mal explicado.
Não faço força para ser entendido.
Quem faz sentido é soldado…
(Poema que o Pyro me mostrou um dia desses)
***
Esse velho não se conforma.
E me fez ver que quando o assunto é universidade não importa a vontade da maioria
As coisas são o que são
E os impostos que se paga não podem ser em vão
(olha, até rimou!)
Aliás, esse velho amigo gosta um bocado de poesia.
E de outras coisas sem sentido.
Como comunicação e jornalismo.
***
Diz que idealismo morreu
Foda-se quem se vendeu
(Letra de rap do E.m.i.c.i.d.a.)
***
Ele me ensinou muito sobre essa coisa toda.
E tenho cá pra mim que ele será sim um bom jornalista.
Mesmo que pra isso tenha que viver
me dizendo coisas como:
***
Ainda assim fica aquele ne
no estômago
(Uma dessas coisas que você digita – ou tenta – no MSN)
***
Feliz Aniversário Flávio!
***
E muito obrigada!
…eu não teria feito nada naquela universidade sem você…
(Publicado no blogue Linhas Livres  por Keyciane Pedrosa em 16/01/2010)



*Esse foi meu presente de aniversário em janeiro do ano passado, com certeza o melhor deles. Eu ouvi de alguém: "Quem presenteia com um livro, faz um elogio". E quem dá poesia então...? A gente tá quase saindo da Universidade, pra enfrentar todo o resto das nossas vidas e todo tempo que houver pra nossa amizade. Será todo tempo do mundo! E eu estou aqui pra dizer que o prazer foi meu, e agora eu digo: muito obrigado!

10 de junho de 2011

O lado de lá...

Abre a porta da ilusão
entra nessa fantasia
de achar que a realidade
é como você queria.

Dança com a loucura
de pensar que tudo aquilo
que você procura
existe em algum lugar.´

O lado de dentro...

O que existe é você
e esse mundo daqui.
E toda essa gente
dizendo: Não adianta insistir.

E eu digo: enquanto estiver por aqui
enquanto for tudo assim
mesmo que não dependa só de mim
mesmo que pense em desistir
continuarei tentando mudar.

E mais tudo que há...

8 de junho de 2011

Atravessei o oceano
Queria juntar as poesias e ver no que dá...
O que me levou foi o som, a vibração
A água do mar.
água que inunda por dentro
 É aquarela, brisa gelada, é o tempo
Nem todo choro é lamento...
Mas 'toda lágrima é uma cachoeira'
De tirar a poeira de dentro.
"Quantos poentes eu trago comigo
 Luas crescentes
 Amores antigos
 Tantos beijos de maré
 lamberam meus pés
 Toda saudade é cisma
 De querer voltar
 Ter um lugar pra mim
 E querer visitar
 Meu canto,
 Um som de concha do mar
 

5 de junho de 2011

Quando o atalho me disser:
 – Te desafio!
Eu já conheço aquela canção:
De você sei quase nada. Pra onde vai ou porque veio.
Nem mesmo sei qual é a parte da tua estrada no meu caminho...

Porque só é preciso saber do desvio
que cura o cansaço num abraço de carinho...
Sem saber de toda a estrada, quando acabar a madrugada....
Ver nascer o sol e não estar sozinho.

*Com toda livre inspiração dada por Zeca Baleiro e Alice Ruiz

30 de maio de 2011

Tente ver sem olhar*

Sem os olhos que você vê,
Há quem enxergue melhor que você.
Percorre teus mesmos caminhos,
Todos os palmos do teu chão.

Você considera a vida  um desafio?
Acha que sabe o que é limitação?
Experimente fechar os fechar os olhos
E ler o mundo com as mãos.

Pára de tratar as pessoas "como se fossem..."
Só respeita, nem estou dizendo aceita.
Porque as pessoas definitivamente  são.

O que te limita?
Será que você percebe que todos são
Tão diferentes quanto você?
E é isso que nos torna tão iguais, ou não.(?)

*De depois do espetáculo teatral "O sono entristecido da Lua pantaneira" - adaptado do conto da escritora sul-mato-grossense Sandra Andrade. A encenação aconteceu no Instituto Sul-mato-grossense de Cegos Florivaldo Vargas  - ISMAC e foi produzida pelo Ponto de Cultura Novo Olhar, com direção de  Myla Barbosa. A montagem foi apresentada com a técnica da audiodescrição.

26 de maio de 2011

Nascido antes do tempo

Bem depois da hora certa.

***
Deixo tudo assim
Não me importo em ver a idade em mim,
Ouço o que convém
Eu gosto é do gasto.

Sei do incômodo e ela tem razão
Quando vem dizer, que eu preciso sim
De todo o cuidado

E se eu fosse o primeiro a voltar
Pra mudar o que eu fiz,
Quem então agora eu seria?

Ahh, tanto faz
Que o que não foi não é
Eu sei que ainda vou voltar...
Mas eu quem será?

Deixo tudo assim,
Não me acanho em ver
Vaidade em mim
Eu digo o que condiz.
Eu gosto é do estrago.

Sei do escândalo
E eles têm razão
Quando vêm dizer
Que eu não sei medir
Nem tempo e nem medo

E se eu for
O primeiro a prever
E poder desistir
Do que for dar errado?

Ahhh
Ora, se não sou eu
Quem mais vai decidir
O que é bom pra mim?
Dispenso a previsão!

Ah, se o que eu sou
É também o que eu escolhi ser
Aceito a condição


Vou levando assim
Que o acaso é amigo
Do meu coração
Quando fala comigo,
Quando eu sei ouvir...
(O velho e O moço - Rodrigo Amarante)

23 de maio de 2011

de repente

passa rente
na beira do rastro
da serpente
que cabra macho e valente
não se nega ao destino
de seguir em frente

toma tento, menino!
larga desse desatino
que muito antes de tú
esteve aqui uma brava gente
que plantou a semente
de um tal futuro
que hoje é chamado presente

Meu céu*

Feito do pó das estrelas como todo menino.
Toda criança carrega, desde o nascimento, a habilidade de iluminar.

Ao longo da vida, vamos nos esquecendo disso.
Do jeito de fazer as coisas se acenderem,
mas a luz continua lá.

Olha o céu:
vê quantas estrelas tem? Elas brilham sozinhas,
mas iluminam mais quando estão aos montes.

Reaprendeu...
Reacendeu o menino,
tornou-se constelação.

*À todas as luzes da minha vida. Porque é impossível ser feliz sozinho.

22 de maio de 2011

era pra ser só um dedo de prosa
mas, falou-se com o corpo inteiro
e de perto

era tanto assunto que tinha
toda a vontade

bom é o silêncio
do beijo
pra dizer a verdade

19 de maio de 2011

Mar de dentro

naveguei sem rumo
entregue às ondas que ouvia
da trilha que segue e leva ao porto
poesia

Arco do tempo*

eu tenho um barco por dentro
seu rumo é a curva de um arco
seguindo o arco do tempo
que puxa a corda do barco

o barco é o meu sentimento
no mar do peito eu me encharco
em qualquer ponto do tempo
eu passo e finco meu marco

meu rastro é o verso que eu deixo
formando um mar de sargaço
e quanto mais mar eu vejo
é mais um canto que eu faço

já fiz um círculo e tanto
cruzei um século inteiro
morrer eu vou, mas meu canto
jamais vai ter paradeiro

*Escrito por Paulo César Pinheiro para o primeiro CD, de mesmo nome, da atriz e cantora Soraya Ravenle. O CD, lançado pela Biscoito Fino em março deste ano, foi feito inteiramente com composições de Paulo César Pinheiro, algumas inéditas.

18 de maio de 2011

Em dias de lua inteira no céu
Ela arranca um pedaço todo de mim.

15 de maio de 2011

Menino do mato*

Para o poeta-menino, o bem da vida é
Escrever nem uma coisa Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.
(do livro: O guardador de águas - 1998, editora: Record)
Eu que não sei escrever e nem explicar coisa nenhuma,
Junto as letras querendo ser pelo menos uma.
Letra e verso de Manoel de Barros que desexplica o mundo.
A poesia que mostra tudo,
Feita do verso que me deixa mudo.

É que o tempo dele é Quando.
[...]
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.
(do livro: Poemas Rupestres - 2007, editora Record)
Eu que nasci num tempo que já era depois
Vou seguir tentando, feito Manoel de Barros
Encontrou-se pela vida menino encantado,
Segue versando
Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
— Imagens são palavras que nos faltaram.
— Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
— Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo).
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos,
retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.
(do livro: O guardador de águas -1998, editora: Record.)

*Livro publicado em 2010 pela editora Leya Brasil.

12 de maio de 2011

"De quem é a terra?"

Meus olhos e o que eu vejo.
Outros olhos e  o que os outros vêem.

Todos os olhares
De todos os lugares
O mundo

Olhos da mesma cor destas terras
Nascidos
Pertencentes à ela.

O dono de tudo?
O chão.

E as lentes de vidro?
Os olhos postiços?
Não!


Discuti-se os assuntos sob diversos pontos de vista? Quando a imprensa vai discutir e considerar as diversas vistas de um mesmo ponto? A imprensa pensa ser dona de um olho que tudo vê. A questão é sempre essa né, a posse. Eu falo de pertencimento.


10 de maio de 2011

"Vem andar e voa"

– Que barulho bom é esse, passarinho?

– É canto novo, de quando bem te vi passar...

– Canta mais alto, pr'eu te acompanhar

– Vem aninhar mais eu, que te ensino a cantar

– É que alto é seu ninho e é que ainda não sei voar.

7 de maio de 2011

A proposta feita,
A reposta aceita.
De mesa posta,
A cama diz,

Deita!

6 de maio de 2011

Onde a vista alcança
Até quando as pernas aguentam
Dizem que é antes da aurora
Logo depois da última dobra do mundo

Ou
Pobre de quem pensa que sabe

'Um horizonte nunca é definitivo'

4 de maio de 2011

...5,6,7,8

Só que eu não sei dançar. Não sei dançar, mas não quer dizer que eu não ouço a música. Não sei contar, sei lá... Deve ser isso, não sei contar. E o medo de tentar? Não. Estou acostumado a tropeçar. Sei dos riscos de cair, sei as manhas de driblar a gravidade. Vim de um lugar onde todo mundo flutua. Quando cheguei aqui, aprendi sozinho esse meu jeito diferente de caminhar em espaço alheio. SOZINHO? É, então,é isso! Dá pra dançar bem simples, mas precisa de pelo menos dois. DOIS pra lá e dois pra cá.

Tulipa Ruiz - Só sei dançar com você

3 de maio de 2011

Em um dia seco

Era dia novo, mas o suspiro mudo e sem vento era bem antigo. Um jeito de saber que o pulmão ainda funcionava e de se convencer que podia continuar fumando uma carteira e meia de cigarros. Suspirava com as mãos bem perto do nariz, querendo aquecer ao frio e a si mesmo. Aquele mês de junho, de tão simbólico, se anunciava decisivo. O número 6 se confirmava e se afirmava nas entrelinhas. Ele tinha perdido a mãe há seis meses e há doze anos publicou seu último livro, no dia da morte do pai e três dias antes do seu aniversário de trinta e seis anos. O primeiro foi lançado quando tinha dezoito anos. 


Um autor de talento que não conseguia achar um bom final. Talvez não fossem as coincidências, mas os fatos que o incomodavam e o impediam. A perda recente da mãe, a saudade do pai e os problemas de saúde causados pelo fumo. E ele ali, com a xícara de café nas mãos, em meio ao clima de solidão não combina com ele e nem existe. Nunca foi solitário e ser solteiro sempre foi uma opção. Foi exatamente assim que alcançou o sucesso, escrevendo sobre as relações humanas. Era nessas relações que encontrava os mais incríveis personagens para suas obras de ficção. Quanto aos números, ele nem ligava. Sempre achou graça da obsessão do Zagalo e nunca gostou de jogos de loteria. 

Não sabia explicar toda essa dificuldade para dar um fim ao livro. Era justamente essa sua grande marca. Ele sabia que todo leitor merece e espera um bom final. De repente, ficou claro o significado do que é contar histórias. Ele só sabia inventá-las. Como terminar aquela sobre a própria vida? Foi escrita por muitas outras pessoas, além dele. Teve ajuda da família para criar e redescobrir o seu começo, dos amigos para construir e se lembrar de todos os detalhes do que lhe aconteceu. Naquele momento, entendeu sua condição de criatura. Estava diante do presente. E nada, absolutamente nada, dependia de uma decisão que fosse somente sua. Percebeu que ele poderia não ser responsável pelo fim de si mesmo. 

Mas ele ainda era o escritor, aquela ainda era uma história. Cada leitor esperava e merecia saber o final. Ele decidiu. Foi encontrado morto em seu apartamento. Ele estava caído no chão, com os cacos da xícara de café nas mãos e o computador continuava ligado. As últimas frases escritas, apareciam na tela: 

“era pequeno ainda quando comecei a escrever. Quando as coisas pareciam perder o sentido, inventava outro. Tudo passava a ter qualquer e tanto sentido quanto ser gota de orvalho em dia seco. Foram seis livros escritos e este aqui termina quando for o tempo. O livro em que sou o personagem acaba quando eu chegar ao fim”. 

Ele amava as pessoas e, por elas, amava a vida. Viveu intensamente até o último minuto e jamais faria qualquer coisa para antecipar sua partida. Os exames da perícia detectaram que sua morte foi causada por um infarto. Ele amava a vida e as pessoas, tanto que chegava a esquecer de si mesmo.

24 de abril de 2011

O que os olhos não vêem, a conveniência nonsense

O que fazer com quem covardemente volta?
O que dizer para quem covardemente se explica?

O que responder?
Quem souber,diga.

Pois não?
Alguém aí, de coragem, se arrisca?
Justificar a atitude covarde de quem viu na roupa do rei os botões e os laços de fita?

No entanto, estou nú.
A vergonha me veste.
E, por enquanto, minha covardia fica.

23 de abril de 2011

Guarani

A água escorreu
de tanto ir a pé.

Entrou chão a dentro,
na esperança que tinha de
ser de novo a maré.

Em vez de reencontro,
achou-se de um jeito novo,
num outro lugar.

Fez do seio da terra
seu novo mar.

21 de abril de 2011

'De longe e ainda...'

Vim de longe, arrastei meu cansaço até aqui. Mas, não quero descanso, só deixar o peso e seguir. Mesmo sem ter o caminho, vou em frente. Foi assim que aprendi. Diferente do que pode parecer, não significa que os obstáculos foram ou são superados. Passei por eles e, muitas vezes, fiquei. Fiquei por muito tempo e alguns aprenderam a me seguir.

Há tempo também que sei caminhar, talvez, ou quase com certeza, menos que a maioria das pessoas. Isso me ensinou que cada passo precisa ser firme. Toda vez que eu caio, sei o porquê. Os empecilhos que me seguem não sabem andar sozinhos. Eu faço isso por eles. E para alguém com tantas pernas, a queda é conseqüência. No entanto, é.mais que isso. Toda queda é necessária.

Nunca quis saber o melhor caminho ou jamais desejei ficar parado. O bom da vida é viver. Isso inevitavelmente implica movimento.  Preciso agora achar o lugar. Que não seja um lugar para mim, se não for a hora. Porém, que seja o lugar em mim. Onde todos os erros e o peso fiquem e eu, finalmente, siga. Aonde for preciso.

17 de abril de 2011

A hora de não estar mais aqui

O tchau por entre as grandes do portão e o jeito de ficar mais longe a cada passo. Fez saber que cabe tudo,  que é relativo ao apego, dentro da distância. O coletivo de todas essas coisas é saudade. Aprendi o tamanho das distâncias, que são várias. 'Gosto mais da menor delas, o encontro'. Mas, seu tamanho não permite todas as coisas do apego, só as mais importantes. Só cabe nós dois. O fato é que eu nunca estarei preparado para o extremo oposto, quando o apego virar falta e o coletivo de tudo passar a ser lembrança.  
***
Como podem os olhos
serem tão falantes?
Dizer assim tanto,
se é da boca esse dever infame?

16 de abril de 2011

no meu mapa-mundi
tem a latitude das palavras
pra poder ir mais além.
tem a longitude das letras
pra não ser eu só.
pra ser bem  de perto também.

15 de abril de 2011

Rasguei-lhe a roupa toda
Queria ver mais além da transparência
Toquei seu corpo
Descobri do que era feita
Falei de leve perto do ouvido:

 – Ceda!

14 de abril de 2011

e o quintal

Todos os cômodos, com tantos móveis,
uma casa vazia.
Dois corpos habitantes, duas almas distantes.

Juntou o que lhe cabia.
e saiu.
Saiu pela porta, dizendo que ia
ter todo o desconhecido como guia.

Sentado no sofá, fingindo que
não sabia.

Um sempre escolhe
entre opções prontas que não são suas.
O outro decide, abre a porta.
olha o quintal e descobre a rua.

13 de abril de 2011

A casa*

Resolvi ficar em casa,
com suas portas e janelas
que podem, ou não, serem abertas.
Quem tem as chaves?
Quem escolhe?

Neste caso, eu escolhi, vou ser a casa,
ficar imóvel.


*Quando o tempo faz entender o sentimento e novas palavras ajudam a explicar, 15/04/2011.

12 de abril de 2011

"Corte seco também sangra?"*

– Capitou a sonora dela?
– Uhum.
– E com ele deu pra gravar, falou com ele?
– Ele não quis falar muito, mas tem quase doze minutos de fala dos dois.
– Tá certo. Manda pra redação que  a gente edita. O resto a gente cobre com off.


Eu ainda sou indiscreto o suficiente para precisar de mais do que seis perguntas para entender as coisas que acontecem. E eu nem quero mandar no tempo. Mas, em quanto tempo se conta uma história? E aí Jornalismo, ainda tem tempo pra contar histórias? Tem tempo pra alguma outra coisa? E aí Jornalismo, tem tempo? 

E aí Flávio, tem?
E ai?


*Corte Seco é espetáculo teatral. As encenação acontece e história é alterada ao vivo, de acordo com a edição da diretora Christiane Jatahy. 

9 de abril de 2011

Que tudo mais acabe, tudo tiver aqui e não cabe.
Tudo que fecho em mim e não abre.
Que toda construção velha, desabe.

É que, às vezes, a gente precisa do novo
Tem vez que não adianta ficar inteiro, sabe?

Mas...

Jogar tudo fora assim, vale?


Waiting for the sun to shine - Moska e Kevin Johansen

7 de abril de 2011

Nasceram-me surdo e mudo

Com que olhos eu quero ver o mundo?
Com os olhos da medíocre idade
Que tenho agora.
Com olhos de que nem ligo,
Com esse jeito que vivo.
Como se não fosse comigo.

Fingindo que, lá no fundo,
Não tenho parte na mediocridade.
Que fica do lado de fora,
Porque se entrar, eu desligo,
Afinal, assim que sobrevivo
De enxergar só meu próprio umbigo.

5 de abril de 2011

Linhas correspondentes

Pensa grande.
Pisa forte.
Chega aonde.

(sobre tudo que aí está)
(só pra não cair)
(no lugar em que for preciso)

3 de abril de 2011

Manda chamar o sono, pede pra ele vir.
Diz que tem que ser logo, antes que ele durma primeiro.
Eu acordado não aprendo nada.
Eu preciso saber como são as coisas de lá.
Mesmo que não saiba de nada, a cada dia seguinte.
Só o que tem aqui, é pouco.
Não demora e chega o tempo em que nada daqui interessa.
Aí eu vou saber como é esse outro tempo.
Vou saber se tem...

28 de março de 2011

dorme Pedrinho, dorme e sonha.
sonha pra pode ir, sonha pra algum lugar.
dorme Pedrinho e aprende.
aprende como é, quando não tiver mais nada.
quando tiver mais aqui.

'...por se emprestar inteira'

– Faz tempo que a gente não vê a casa cheia. 
– O dinheiro que entra não dá pra nada! 
– Acho que é hora de parar. 
– Você nem é mais tão bonita... Talvez essa seja a idade, o fim. 


– Essa é a grande diferença entre nós. 
– É por isso que sou eu que subo naquele palco. 
– E você, com essa alma pequena... 
– Devia era ter sido cafetão. 

Já tocou o terceiro sinal, daqui a pouco são os aplausos... E não demora, ela aparece na porta do camarim com um sorriso. Vem buscar as sete rosas que vai ganhar hoje, cinco brancas e duas vermelhas. Mas o que ela espera são os abraços, receberá e vai retribuir com o mesmo carinho. Todos! Vinte e três pelo espetáculo desta noite.


As atrizes - Chico Buarque

25 de março de 2011

Três

eu sou
Todo sentimento,
Inteiro, até no estômago.
Nele tudo se sente. sou eu quem
Precisa sentir inteiramente.
Sentimento que depende do outro,
Pra sentir completamente. mas como?

chega!
Pára de fingir,
Fingir que é poeta.
Tudo que há de sentir,
É só sentir.
De toda forma que seja. se for
Forte. faça ser
Sincera. assim
Terá sido completa.

22 de março de 2011

Há sopro

Foi com vento, só porque o vento não disse onde ia.
E nem sabia...
Deixa a hesitação, dividir até ser milhões de átomos.
Ficar inteiro e pra dentro, é nem ficar.

Vai com o vento, eu
Voar.


Evaporar - Little Joy

20 de março de 2011

Quando o outono chegar

Pede ao Sol um motivo
Faz da chuva um pretexto
Eu peço
Pergunto: posso
Dá luz
Da Lua
Se for o começo
Um pretexto
Só nosso

17 de março de 2011

Um passo para todos os lados

Em vez de acender a luz, vou abrir a janela. Refazer todas as minhas retas e deixar que as curvas me levem onde eu nem queria ir. Porque as curvas não vão me fazer mudar as metas, mas me obrigar o olhar um tanto mais para o lado e para quem estiver por lá. Vou mudar as coisas de um tanto, o quanto for necessário para cada um dos meus motivos. Até poder mudar quando não houver mais motivo nenhum. Escolher ser, 
na vida ou em qualquer outra sorte, 
exatamente o mesmo e ter um porquê 
'firme, fiel e verdadeiramente' forte.

Conversa do lado de fora

– Tudo o que eu não fiz ontem.

– Vai estar tudo igual amanhã.

– Mas  a gente devia sair pra dançar.

14 de março de 2011

Cinco

Do abraço,
a mão e o braço.
O jeito de enxergar vida
e o nunca conseguir ver nada.

Aprender e ter os ouvidos atentos
e não usar os cinco sentidos.
O sentir e os sentimentos
contidos.

A busca desesperada e eterna pela palavra,
justo daquele que não sabe dizer nada.
Fala tudo sempre na hora errada
e o que mais precisava dizer.
Guarda.

Essência,
ir além da ausência.
Ocupar um lugar inteiro que seja,
mesmo onde ninguém  nunca o veja.
Só sinta e receba sua marca em transparência.

11 de março de 2011

Queria te dar os meus braços, 
mas eu não sei tirar o vazio que têm. 
Quase não sobra lugar pra mim,
 faz tempo que não há lugar pra ninguém.

8 de março de 2011

Pierrot

Levanta, lava o rosto e bota uma roupa limpa. Escolhe teu melhor sorriso e mostra pro destino que ele pode ser só um lugar pra ir. E o último dia de carnaval, pode ser todo o resto da sua vida.

6 de março de 2011

Que jamais se diga sobre mim: 
Foi pelos caminhos. Todos!
Ele pensava em descobrir qual deles é o certo.

Pois, para isso, há de se ter o coração muito pequeno!
O coração se mede pelo tamanho de sua busca.

Eu digo sobre mim:
Vou pelos caminhos. Tantos!
Que nenhum deles seja totalmente certo ou errado.
Para que saibam que não são únicos. 
Seja em qualidade ou quantidade.

Quero um coração grande na hora da escolha.
Eu vou escolher o que é certo?
No meu dicionário o 'certo' é verbo!


5 de março de 2011

Verbete

Preciso das palavras de significados simples,
Mas que digam bastante.
Das coisas que tenho para  dizer,
Não são muitas e nem são grandes.
São só, o suficiente, para encher umas poucas linhas.
O que tiver de mais importante, 
Reservo para o espaço que há entre uma linha e outra.
E todo o resto deixo para o silêncio,
Que começa logo depois das reticências.

1 de março de 2011

Eu quero a rima, mesmo se a rima for cara.
Se o preço for alto, do tamanho da carência,
Que me cobre tanto e quanto a indecência
De ter sido deixado...

No último domingo, a primeira coisa que eu disse pro mundo (o meu mundo) foi: eu resolvi que vou sentir saudade hoje. Não foi sobre saudade que falei aqui, porque saudade só se sente daquilo que se teve. Eu não tive coragem pra isso (não tenho). Eu sempre permaneci em mim mesmo. E permaneço aqui pelo verso sincero, como sempre foi. Perdão eu peço à poesia. Perdão pela indecência de mentir e querer cobrar por isso. Que a única rima que importa não me abandone, aquela que vale pelo apreço sincero e necessário para que ela exista. Perdão.

27 de fevereiro de 2011

(ou sofrer é o que sobra)*

Agora eu ando inteiro de lado,
Porque essa dor não me fez mais elegante.
Eu não fui a lugar nenhum, fiquei distante.
Ainda espero o prêmio de consolação.

Há de valer alguma coisa a minha permanência...

Quem é esse que aparece no espelho?
Anda, diz logo, antes que eu grite!
Eu quebrei o espelho, e todos os que aparecem agora?
Quem são?



*Paulo Leminski, obrigado pelo empréstimo de inspiração. Desculpa por não poder pagar o quanto é devido.

19 de fevereiro de 2011

Um poema de ouvir, uma história pra cantar*

É sobre a amizade de duas almas. Cada uma delas tem a mesma idade, porque aqui é a amizade que mede o tempo. Era de manhã quando começou:


Tinham vindo de lugares diferentes. 
Uma ficou ali, encostada na parede, observando. 
O outro, que não tinha chegado sozinho, falando. 
Mas não foi ele quem deu o primeiro oi. 
E quem apresentou os dois, ficou pouco na história, já foi. 

Passavam todas as manhãs juntos, 
Mas a amizade se fez depois do meio-dia. 
Tão logo e bem rápido... 
Sem que percebessem, cada ‘tarde vazia’, 
Entre pincéis e tinta sobre o papel, 
Virava fim do dia e ela ia.

Ira! - Tarde vazia
"Você me ligou naquela tarde vazia
E me valeu o dia..."

Mas voltava. 
Ainda tinham que recriar Portinari. 
Ela dizia o caminho, descobria a cor de terra vermelha. 
Ela achava o traço, ele escondia. 
Nem circulo de compasso ele sabia. 
Mas a trilha sonora ele escolhia ou, naturalmente, acontecia. 
Não mais que de repente, a música certa aparecia. 

O quadro que ela pintou, foi ‘Futebol’. 
E foi por causa da copa o mundo que ele descobriu seu dom. 
Modesto, porém honesto. Talvez singelo: 
Só sabia pintar com o amarelo. 

O tempo passou... 
Depois de tanta cor, de tantas músicas, 
Tantas tardes cheias, os dois estiveram longe. 
Passaram por longo tempo de distância vazia. 
Ela conheceu alguém, ele se entregou de vez à poesia. 

Ksis - Beijos, blues e poesia
"Eu te procuro até não poder mais na Internet, bares, nos jornais.
Trombar você é o que eu quero mais, menina, menina"

Ela deixou, por enquanto, os pinceis e vai ser historiadora. 
Ele, que devia ser médico, vai ser jornalista. 
Ela, jamais perderá o dom, continua artista. 
Quanto a ele, foi melhor enfim. 
Pelo menos pra medicina, foi sim! 

O tempo passou, passou inclusive aqui,
Depois de tantas letras. 
Mesmo que seja tempo de ir, enfrente! 
Porque será nosso e da nossa amizade o tempo todo de sempre. 

Agora estamos em ‘calma, tudo está calma’! 
O amor-amizade, da minha e da sua alma. 
Terá ‘a mesma idade que a idade do céu’. 
E a mesma verdade de ser pura, simples e fiel. 

Paulinho Moska - A idade do céu
"Não somos o que queríamos ser
Somos um breve pulsar em um silêncio antigo
Com a idade do céu..."


de 11 de fevereiro de 2011 para 
todo o resto da vida, 
com todo amor que há no mundo. 


*É daqueles que nasceu pra dizer o quanto eu amo alguém. Este aqui é da Débora Mosqueira, pra lembrar da nossa história e pra ficar registrado nosso amor-amizade.

10 de fevereiro de 2011

Eu amo um amor de vento,
eu amo e começa lento.

E aí vem o suspiro...
(e eu não prendo a respiração)
Eu espero até ganhar outro.

O meu amor é de vento
porque cada amor tem seu tempo.

9 de fevereiro de 2011

Eu quero

Por vontade imprópria, ceder. 

Ver sem menos, destruída 
Aquela convicção falida: 
Mais vale não ser na vida
Que correr os riscos do viver.

8 de fevereiro de 2011

De conversar, de convencer

– Sai agora daí, menino!
– Agora não!
– Luíz Fernando eu tô te avisando. Vou começar a contar: um, dois, três...
– Aah... Mãe, eu já contei setecentas e quarenta e sete formigas! Se a senhora começar agora, vai me fazer perder a conta.

4 de fevereiro de 2011

"em cismar sozinho, à noite"

Imagina só:

Eles quiseram me deixar cego. Furaram e depois arrancaram os meus olhos. Era pra não ver o que faziam aqui. Não queriam que eu contasse a ninguém. Cortaram a minha língua e depois costuraram os meus lábios. Do contrário, eu gritaria todos os absurdos feitos antes e os absurdos de até aqui. Prevendo que – mesmo depois de tanto – pudesse reagir, esmagaram minhas mãos. 

Por não admitirem a possibilidade de uma fuga, serraram os meus pés e quebraram as minhas pernas. Dilaceraram o meu corpo e tentaram destruir minha forma humana. Em vez de monstro, tornei-me homem ainda mais. Na tentativa de me tomar tudo, deram-me o mundo. Libertaram-me. Quando tudo parecia impossível. Quando não havia mais nada, nem além. 

 Encontrei meus pensamentos.
Imagina! Só.

26 de janeiro de 2011

Mesmo que eu não queira


Há mar de tanto sal...

trago-me
até aqui porque
já cansei de outras
profundezas.

25 de janeiro de 2011

A porta está aberta

Entre.

 Acenda a luz. Sente-se na cadeira, olhe os papéis e mexa neles o quanto quiser. Jogue todos no chão ou amasse aqueles que não gostar. Escolha uma caneta ou escreva alguma coisa com o lápis. As estantes estão cheias de livros, escolha pela capa ou pelo título. Cada um faz de um jeito.

Abra a janela, derrube os quadros da parede ou quebre todos os enfeites. Vá outra vez até a janela e grite, fale um palavrão se tiver vontade. Ou não faça nada. Apenas entre e olhe. Aqui você pode fazer o que quiser. Só há uma coisa que você não pode fazer enquanto estiver aqui: não ser!

Saia.

Se achar que vale, volte. A porta continuará aberta...

24 de janeiro de 2011

Se...*

O Choque e o (re)encontro.

– Poxa, moço desculpa! Eu sempre fui desajeitada, droga!
– Não foi nada, aposto que água não... Hellen?
– Aposto que água não mancha, era isso que ia dizer, não era?
– Hellen? Meu Deus, Hellen!
– (Voz de boca seca) Tudo bem, Sérgio?
– Faz tanto tempo. Você continua igual! Não...
– É, treze anos, Sérgio! Não, não. Mudei, fiquei velha. O tempo passa mais rápido pras mulheres.
– Soube que você casou e virou mesmo dentista. Eu continuo fazendo minhas roupas. Encontrei um sócio. A gente tem uma loja em Londres.
– (Suspiro) É, casei. Quem te contou?
– Adriana, a gente se encontrou no Recife, ano passado. Férias.
– Adriana? Ela foi ao meu casamento pra dizer que eu não devia!
– (Aquele nó no estômago) Você tá feliz Sergio? Você é feliz?
– Eu tenho uma vida tranqüila com a Denise.
– Feliz?
– Eu tenho que buscar... Foi bom te ver, Hellen. Agora eu...
– Tchau Hellen.



Cada um deles viveu aquele momento de um jeito. Ela tinha a sensação de encontro, já que não foi ao Barnney’s naquela noite. O Sérgio foi e quem o recebeu  foi uma longa espera. Saiu acompanhado da decepção. Sete meses depois se casou com, sua amiga e colega de turma, Denise.

Depois daquele dia no restaurante, foram semanas atormentadas para um e para o outro. Hellen queria estar mais inteira depois de tudo, gostaria de estar com alguém. Sérgio queria ter dito que era feliz. Porque, de verdade, era. E queria ter falado da filha, mas na hora só conseguiu pensar se teria sido mais ou menos feliz. 


*Recortado  e livremente adaptado do filme 'Amores Possíveis', de Sandra Werneck

21 de janeiro de 2011

Cem dúvidas

Não quero ser o dono da minha história,
Dispenso a função de ser o escritor.

Se for espetáculo, que seja em corres.
Para estar na coxia ou sentado na platéia ser ator.

Quero um drama-comédia, quase tragédia
Onde todas as minhas verdades são rumores

Serei pela vida como um papel em branco.
Em vez de empunhar a caneta,
Ter o privilégio de ser apenas letra.

Para ser enunciado, poema inacabado. Um conto.
Cantiga de ninar, roteiro adaptado.
Filme que não ficou pronto.

De um todo, que eu seja em parte, o necessário.
Para me tornar qualquer coisa, onde caiba o mundo.
Ser herói, bêbado, palhaço, nobre senhor. O vagabundo.

Dentro de um relicário, a invenção de uma criança.
Espaço imaginário, contraditório e delírio. O mais profundo.

14 de janeiro de 2011

Covarde

Eu queria ter visto
Eu devia feito
Mas eu sempre desisto
Falta de coragem, culpa
Puro.  Simples. Defeito.

De todo, não passo de um pobre
De viver só e estragar o mundo
Não há em mim algo nobre, objetivo
Antes que a terra me leve
Enquanto há um céu que me encobre
Mesmo por sorte me entregue
Serei de mim fugitivo

Quero dizer que é injusto
Que não devia ser assim
Tem gente que se arisca,
Refaz-se do susto.
Não sobra nada e eu?
Quero tudo, sim!
Sem pôr a cara na porta, no fim.

Tenho esse direito, me proteger.
Quem cuida da minha ferida
Se ela abrir-se de novo?
Ninguém viria aqui, nem chegaria perto
Queria ver.
Eu fiquei, enfrentei a língua maldita do povo

Porque é fácil fazer esse papel
Fingir que sou eu, bancar o juiz
Não me cabe, sou o réu.
Trancado em mim, infeliz.

Sou culpado sim,
O espelho me olha, tripudia e depois diz:
– Tem o nome dela aqui. Beatriz.
– Você não presta!
– Era em mim que ela escrevia: eu te amo
– Era mais que tudo no mundo.
– Quem vai te tirar do fundo?
– Sem ela, por quê? Traiu. Olha em volta, vê.
–Tudo registrado, ainda dá pra ler.

12 de janeiro de 2011

O Divórcio

Daquele amor de faz tempo,
Ele não tem saudade, só tem lembrança.
Apesar da perda e da separação,
Coisas de dar a saudade que dói.
Jamais machucaria assim o amor de criança.

Ela veio pra despedida,
Quase que só deu tempo de anunciar:
– Já estou de partida!
– Não faz isso comigo,
– Não vai embora, eu te amo!
– Não chora!

Tão pouco tempo antes, Fábio e Mariana.
Antes até de um segundo beijo
Casaram-se, jurando amor eterno
Sob a catedral, que fica lá no quintal,
O pé de amora.
– O beijo já pode ser agora?

O pai da noiva era soldado,
Não avisaram o Fabinho, coitado!
Ele ia pra outro quartel, foi transferido.
Se Mari pudesse, tinha escolhido.
Não deixava pra trás o marido.

A noiva se foi...
Deixando um pobre noivo desolado.
Tudo por acontecer,
Inclusive o terceiro beijo prometido
– Não foi dado!

4 de janeiro de 2011

Nublado

Dia quando chove é pra lavar.
Chuva quando vem é pra levar.
Todo pingo d’água de refazer,
Um pedaço de terra que receber.
Mesmo sem saber que razão que é essa
Espera pelo Sol, com sua luz de promessa.

A cada dia novo, horas seguem sem pressa.
A vida continua...
Quem fecha esse espetáculo?
Nuvem de antes, obstáculo.
Agora se faz moldura, pra ela.
A Lua.