3 de maio de 2011

Em um dia seco

Era dia novo, mas o suspiro mudo e sem vento era bem antigo. Um jeito de saber que o pulmão ainda funcionava e de se convencer que podia continuar fumando uma carteira e meia de cigarros. Suspirava com as mãos bem perto do nariz, querendo aquecer ao frio e a si mesmo. Aquele mês de junho, de tão simbólico, se anunciava decisivo. O número 6 se confirmava e se afirmava nas entrelinhas. Ele tinha perdido a mãe há seis meses e há doze anos publicou seu último livro, no dia da morte do pai e três dias antes do seu aniversário de trinta e seis anos. O primeiro foi lançado quando tinha dezoito anos. 


Um autor de talento que não conseguia achar um bom final. Talvez não fossem as coincidências, mas os fatos que o incomodavam e o impediam. A perda recente da mãe, a saudade do pai e os problemas de saúde causados pelo fumo. E ele ali, com a xícara de café nas mãos, em meio ao clima de solidão não combina com ele e nem existe. Nunca foi solitário e ser solteiro sempre foi uma opção. Foi exatamente assim que alcançou o sucesso, escrevendo sobre as relações humanas. Era nessas relações que encontrava os mais incríveis personagens para suas obras de ficção. Quanto aos números, ele nem ligava. Sempre achou graça da obsessão do Zagalo e nunca gostou de jogos de loteria. 

Não sabia explicar toda essa dificuldade para dar um fim ao livro. Era justamente essa sua grande marca. Ele sabia que todo leitor merece e espera um bom final. De repente, ficou claro o significado do que é contar histórias. Ele só sabia inventá-las. Como terminar aquela sobre a própria vida? Foi escrita por muitas outras pessoas, além dele. Teve ajuda da família para criar e redescobrir o seu começo, dos amigos para construir e se lembrar de todos os detalhes do que lhe aconteceu. Naquele momento, entendeu sua condição de criatura. Estava diante do presente. E nada, absolutamente nada, dependia de uma decisão que fosse somente sua. Percebeu que ele poderia não ser responsável pelo fim de si mesmo. 

Mas ele ainda era o escritor, aquela ainda era uma história. Cada leitor esperava e merecia saber o final. Ele decidiu. Foi encontrado morto em seu apartamento. Ele estava caído no chão, com os cacos da xícara de café nas mãos e o computador continuava ligado. As últimas frases escritas, apareciam na tela: 

“era pequeno ainda quando comecei a escrever. Quando as coisas pareciam perder o sentido, inventava outro. Tudo passava a ter qualquer e tanto sentido quanto ser gota de orvalho em dia seco. Foram seis livros escritos e este aqui termina quando for o tempo. O livro em que sou o personagem acaba quando eu chegar ao fim”. 

Ele amava as pessoas e, por elas, amava a vida. Viveu intensamente até o último minuto e jamais faria qualquer coisa para antecipar sua partida. Os exames da perícia detectaram que sua morte foi causada por um infarto. Ele amava a vida e as pessoas, tanto que chegava a esquecer de si mesmo.

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